sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Não procure saber onde estou

Quero um banco, quero um beco, uma forma de tropeço. Tire-me daqui. Expulsa-me. Estou presa. Vire a página desta história. Qual é mesmo aquele livro? Que conta outra glória? Esqueci-me do urgente. Deixei para outra hora, sem pressa, sem gente. Era só no meio de tudo. Um isolamento do mundo. Arrastava-me sem rumo. Não cheguei a tempo. Continuo a procura de um lugar fora daqui. Um banco, um beco, um espaço só para mim. Não encontro. Meu projeto de vida. Desejos a consumir. Um fim é só fim. Estou aqui. Quero um banco, quero um beco, uma forma de tropeço. O lugar que eu mereço.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Vizinhas

Do lado de fora de suas casas geminadas, não na calçada, cada uma de dentro da varanda, as senhoras conversavam. Alheias aos barulhos da rua e ao meu olhar observador. Conduzia a Sarah, uma criatura canina, em frente ao edifício que me acolhe. Não pude evitar uma repentina admiração. Deixei-me seduzir pela cena e a repará-la por alguns instantes. Quis comentá-la, mas como ainda não aprendi a linguagem dos cães, aceitei falar com os meus pensamentos. Era bonita a conversa. Tinha virtude. Elas usavam roupas parecidas e de cores femininas. Saias comportadas e blusas confortáveis. Seus corpos robustos, mas saudáveis, indicavam que aquele poderia ser um colóquio culinário. Quem sabe a receita do almoço? Ou o segredo do jantar de ontem? Os filhos seriam versos inevitáveis. Suas maiores alegrias e tudo o que mais importava até o último dia de vida. Implicariam com as cunhadas e a falta de atenção que, vez ou outra, sofriam. Reclamariam da saúde, listando dores que apareceram de uns tempos pra cá. E antes que a chaleira apitasse, o gato miasse, as pernas cansassem, convidaram-se a terminar a prosa um pouco mais tarde.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Cafezinho passado na hora

Que cheirinho bom! Há dias me entusiasmei com a idéia de tomar um café com um amigo desaparecido. Não recordo quando foi a última vez que nos vimos. Casos assim não são raros, eu diria que são até corriqueiros. Combinamos um café-encontro naquela semana que trocamos e-mails. Para compensar o que de ruim existe numa vida de adiamentos e desencontros, recorro ao saboroso cafezinho, com cheirinho, quentura e pretidão. O gosto da vida adulta adocicado por um bom papo, consciente, sóbrio e próspero.

Quem mistura o conceito de café com cafeína resume grosseiramente um composto muito mais complexo. O grão do café verde, antes de passar pela torrefação, carrega em si uma variedade imensa de minerais, aminoácidos, lipídios, vitaminas, açúcares e ácidos clorogênicos. Interessante saber que esses últimos, após se torrefazerem, geram substâncias capazes de bloquear o impulso à depressão. E que, combinadas com os estímulos de atenção e vigília da cafeína, fazem do café uma bebida de poder.

Há quem sinta mais esse efeito estimulante. Confesso que o café extrapola a importância de me manter acordada ou distante de pensamentos moribundos. Posso tomá-lo minutos antes de dormir sem que me cause insônia ou perturbações durante o sono. Ao contrário, um cafezinho após o jantar, por exemplo, é a maneira perfeita de encerrar a noite e, quem sabe, um incentivador de bons sonhos.

Obviamente, os dias passaram, escaparam-me os planos de rever o amigo com a desculpa de dividir um café. Teria ele desistido? Não. Para a minha alegria, fui invitada, em boa hora, a retomar a proposta do cafezinho entre dois saudosos amigos. Propus esboçar concretamente um dia, uma hora e um lugar, caso contrário, o café ficará passado.

sábado, 1 de setembro de 2007

O filho iluminista

Subia a Teodoro Sampaio dentro de um ônibus cheio e lento. O trânsito do início de noite transformava, aos poucos, a viagem de trinta minutos em noventa. Nada para me distrair, só preocupações que tornariam o percurso mais cansativo. Foi quando tocou o celular do rapaz sentado no banco atrás de mim. Com uma voz doce e atenciosa ele começou a conversa.

Sua mãe tentava, sem sucesso, desligar o computador. O filho topou ensinar detalhadamente cada passo da tarefa. O botão fica no lado esquerdo, embaixo, onde está escrito Inicar. Achou? Então vai com ou mouse até lá. Agora, clica. Apareceu uma caixa? Isso. Vai em Desligar. Como assim, não tem Desligar? Mãe, a senhora está fazendo algo errado, porque é muito simples. Vou repetir tudo.

No Iluminismo, a razão ficou conhecida como guia da sabedoria. Através dela, o homem compreenderia e dominaria a natureza. A razão da informática passada do filho à mãe era agora o meio para dominar a máquina. Descartes, pensador pré-iluminista e autor da famosa sentença "Penso, logo existo", recomendaria: "Mãe, a razão para esta tarefa está em seu interior. Duvide e encontrará o caminho". Entretanto, o filho era um John Locke* empenhado em ajudar a mãe através da experiência sensível.

Passaram-se 15 minutos. Estava tensa imaginando que o jovem perderia a paciência a qualquer momento. Surpreendentemente, ele continuava com o mesmo tom carinhoso de quando atendeu a ligação. Não dava sinais de desgaste e muito menos parecia constrangido. Além de mim, outros ouvidos curiosos acompanhavam a história com a ansiedade de quem não entendia como o computador continuava ligado. As explicações do filho eram claras e precisas, óbvias para quem achava tudo aquilo brincadeira de criança.

O filho começou a rir, sem intenção de deboche. Ria sem desistir ou desacreditar. À essa altura a mãe pensava em deixar o computador ligado até que o filho chegasse. Não, mãe, você vai conseguir. De repente, a luz! O filho iluminista encontrou a saída. Mãe, qual botão do mouse a senhora está apertando? Sim, porque no mouse a gente pressiona com o dedo indicador o lado esquerdo, não o direito. Ahhhh, mãe, tá vendo? Era isso. O filho voltou a rir, desta vez a mãe também riu. Até eu ri, como todos os passageiros ao meu lado. Rimos de alivío.

* John Locke (1632-1740), pensador inglês, criticava a doutrina das idéias inatas, defendida por René Descartes (1569-1650). Para Locke, os seres humanos nasciam como tábulas rasas, e suas mentes eram folhas em branco a serem preenchidas com ensinamentos adquiridos através da experiência sensível. Descartes dizia que o conhecimento seria alcançado partindo-se de idéias que estão no interior do homem.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Fórmula 1: torcida

Claro que uma vitória do Massa gera emoção por aqui. O domingo fica mais alegre e o campeonato mais atraente com o sonho de comemorar um título mundial. Felipe Massa acertou no GP da Turquia, considerado o mais desgastante pelos pilotos que correm sob um calor de 36 graus e ventos fortes.

A estrela do brasileiro começou a brilhar no sábado ao conquistar a pole position. Durante a corrida, manteve um bom ritmo, não cometeu erros e ainda conseguiu evitar que a tomada de ar do seu capacete, que soltou na 27ª volta, atrapalhasse a sua concentração. O segundo pit stop, uma volta após o de Raikkonen, era o que faltava para terminar a prova em primeiro, tirando as chances de ultrapassagem pelo seu companheiro ferrarista.

Para efeitos de campeonato, a vitória de Massa o colocou em terceiro lugar com chances, ainda que apertadas, de disputar o título que poderá ser decidido em Interlagos. As próximas etapas, Itália e Bélgica, parecem favoráveis à Ferrari e reforçam seu otimismo. A bem sucedida performance de Massa deve ser reconhecida, só não dá para afirmar que Istambul foi palco da "corrida mais emocionante dos últimos 20 anos", como fez Christiane Pelajo no Jornal da Globo. Acho que ela quis dizer dois anos. Mesmo assim!

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Fórmula 1: Turquia

Felipe Massa venceu pela segunda vez o GP da Turquia. Largou na pole, acertou na estratégia de paradas e praticamente liderou as 58 voltas seguido pelo seu companheiro na Ferrari, Kimi Raikkonen. Uma corrida ok, sem muito a comentar. Aliás, esse foi o grande esclarecimento do curso que tive sobre cobertura automobilística na USP. É cada vez mais difícil fazer um bom texto sobre as corridas. Como o negócio envolve muito dinheiro, a informação disponível para a imprensa é altamente controlada e não são poucos os textos da mídia que se repetem. Além da falta de acesso pelo jornalista, a regularidade é a marca deste Mundial. Ferrari e MacLaren juntas ficaram com 32 prêmios dos 36 distribuídos ao longo do campeonato até agora. O tarimbado Flavio Gomes escreveu em seu blog que as outras equipes deveriam corar de vergonha. Concordo, Flavinho.

Eu que não sou nenhuma especialista em F-1, mas tenho uma profunda paixão pelo esporte, decidi participar da cobertura. Apesar dos limites, um repórter que ama o assunto está em vantagem e tem condição de realizar um bom trabalho. Para me auxiliar, acompanho os blogs dos profissionais que acumulam uma experiência invejável no meio. Alguns deles já estiveram em mais de 200 GPs. A única oportunidade que tive até hoje de ouvir o ronco dos motores de pertinho foi na última corrida de Ayrton Senna no Brasil, que abriu o Mundial de 1994. Assiti ao treino oficial no sábado com o ingresso do meu tio que só viria do Rio a São Paulo no domingo. Fiquei bem em frente ao box da Williams-Renault, a nova equipe de Senna. Eu tinha 16 anos e acompanhava a F-1 seguindo a euforia dos homens da minha família que adoravam automobilismo. Fui contagiada e sem me dar conta virei uma mulher que gosta de F-1.

O jornalista Fabio Seixas, Folha de S. Paulo, arriscou um palpite sobre o resultado do GP da Turquia minutos antes da prova começar. Massa em primeiro, Raikkonen em segundo e Fernando Alonso em terceiro. Que acerto, hein, Fabio?! Vou começar a treinar para chegar ao seu nível. Brincadeiras à parte, acho que o mais valioso é fazer um texto conseguindo fugir da previsibilidade que o esporte vive atualmente. Para isso, tenho muito o que aprender com Fabio Seixas, Flavio Gomes, Livio Oricchio, e tantos outros nomes de importância reconhecida na cobertura de F-1. Nos vemos em Monza!

domingo, 26 de agosto de 2007

Saudade da vida que eu não tive

Irônico, contraditório, precipitado. Um sentimento altamente questionável. Sim, eu sei. Aos leitores, eu peço que não se preocupem em me animar, isso é só um desabafo e não um decreto de vida. Ouvi agora há pouco que James Dean aconselhava a se viver intensamente sem se preocupar com o futuro. Existem jovens que vivem como velhos. Velhos que vivem em busca da vitalidade. Onde me encaixo?

Não sei. A verdade é que admitir que sinto saudade da vida que não vivi, aos 20 anos de idade, seria prematuro demais. Aos 30, talvez nem tanto. Sinto falta das viagens que não realizei, dos beijos que não dei, do carinho que não troquei. Do "sim" que não falei, do olhar que não encarei, do abraço que não compartilhei. Do emprego que não tentei, do chefe que não questionei, do colega de quem discordei. Do salário que não ganhei, da idéia que não comprei, do argumento que não revelei. Do "não" que disfarcei, do amor que não tentei, do tempo que desperdicei. De tudo aquilo que sonhei.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A Paulista dos meus sonhos

Ontem, estava na sala de espera para uma consulta médica, circunstância que me fez buscar entre revistas, jornais e livros um antídoto para a ansiedade. Normalmente não encontro em consultórios leituras do meu interesse, o que chega a ser uma desculpa forçada para sair um pouquinho da minha esfera de conforto e aprender coisas novas. Por mais que eu olhe e pense "ah, detesto isso". Nesse exercício acabo esquecendo que o médico está atrasado ou aceito, menos contrariada, que chamem outro paciente na minha frente.

Foi assim que encontrei um livro que mostrava a evolução da avenida Paulista desde a sua construção até os anos 2000. Saí vitoriosa dessa batalha mental, totalmente desnecessária, uma vez que na sala de espera existia apenas um concorrente, tímido e pouco interessado em ler, que logo foi chamado pelo médico.

Todos os dias passo pela Paulista. Não moro ali perto, muito menos trabalho nos elegantes e movimentados prédios da avenida. Também não tenho parentes nem vivo um caso de amor com algum morador da região, o que seria uma ótima ideia. Entretanto a Paulista me chama todas as noites para suadas horas de ginástica na academia que frequento há mais de um ano e que está localizada num dos pontos mais conhecidos de lá, o Conjunto Nacional.

Com o livro em mãos, conheci a avenida Paulista do uruguaio Joaquim Eugênio de Lima, uma estrada de terra, cheia de árvores, sem iluminação, praticamente deserta. Mesmo longe de lembrar a imponente Paulista de hoje, ela nasceu de um projeto similar às grandes avenidas europeias da época: larga e extensa, com dois mil e oitocentos metros de comprimento. Algumas fotos à frente, descobri uma Paulista de três vias, asfaltada com material alemão, pronta para acomodar a elite do café e a crescente burguesia industrial. No início, as residências eram frequentadas só nas temporadas de verão. Aos poucos, as ricas famílias brasileiras deixaram as cidades do interior e regiões centrais de São Paulo para habitar mansões luxuosas à beira da avenida, que passou a se chamar Paulista "em homenagem aos paulistas". Suas transversais e paralelas como Campinas, Lorena, Santos e Jaú, foram homenagens às cidades do interior do Estado.

Não pude avançar muito mais na história porque logo fui chamada à consulta. Também não sei o quanto estava interessada em ver a modernização da avenida e conhecer mais profundamente o surgimento de seus edifícios e grandes construções. Cheguei a descobrir alguns dados curiosos sobre o Conjunto Nacional e notei que o lugar onde piso todos os dias teve uma importância histórica maior do que imaginava e que por ali passaram grandes presidentes, artistas famosos e famílias ilustres exibindo um requinte que hoje não se vê mais entre os visitantes.

Esqueci de mencionar o endereço do consultório em que estava: Praça Oswaldo Cruz, número 124, início da Paulista no bairro do Paraíso, razão para encontrar um livro que contava a história da avenida. Encerrada a consulta, lá fui percorrer uma Paulista bem diferente daquela das fotos. Inevitavelmente, passei a me imaginar atravessando a avenida larga e arborizada de 1900. Quanto tempo levaria para chegar ao fim? Quantos motoristas estariam à frente? Andaria de bonde ou de charrete? No primeiro semáforo em que parei notei que a avenida está em obras, o trânsito parece ainda mais intenso, os cruzamentos mais caóticos e os dois mil e oitocentos metros mais extensos. Abri um sorriso e senti uma enorme satisfação. Joaquim Eugênio de Lima daria tudo para estar no meu lugar cruzando a sua Paulista.


terça-feira, 21 de agosto de 2007

Aqui está, Evelyn!

Uma grande amiga me sugeriu fazer um blog. Um pedido que vem recheado de elogios e incentivos vira uma brilhante idéia impossível de ignorar. De fato, é impossível deixar pra lá qualquer comentário que venha dela. Aqui estou e aqui está o meu blog! Começando ainda sem saber ao certo o que dizer, pra onde ir, como chamá-lo. Por isso resolvi que Bola de cristal seria um nome adequado porque estou em busca de decifrar o meu destino. Vamos lá... ou melhor, tô indo e você vem comigo até onde isso chegar. Um beijo, seja bem-vindo!